Conforme prometido na última coluna, procuraremos doravante, sempre que possível, dar dicas de músicas, filmes, livros, autores, escritores, etc. para não parecer que a vida é apenas choro e ranger de dentes.
Relacionado ao tema hoje teríamos muitas citações, mas vou escolher um filme muito bonito que ganhou 4 estatuetas do Oscar de 2024: Pobres Criaturas (Poor Things), produzido e estrelado pela atriz Emma Stone, que levou uma das estatuetas como melhor atriz.
O filme é de ficção científica e se passa na era vitoriana. Chamou-me a atenção uma cena em que um pai leva seus filhos a um prostíbulo onde atendia Bela Baxter (Emma Stone) e com ela faz sexo na frente deles para os ensinar. Infelizmente a prática sempre foi comum e quando o filho passava a poder usar calças, por volta dos 13 anos, deveria ser iniciado na vida sexual hetero por uma mulher experiente. A situação inclusive é romantizada em filmes, séries, livros e novelas.
Basta se pesquisar na internet para notar que há várias notícias de pais que obrigam filhos a assistir filmes pornográficos hetero para afastar sua possível homossexualidade e até mesmo a presenciarem sexo ao vivo. Não é necessário dizer que a conduta é abusiva e, no Brasil, é considerada crime de estupro de vulnerável.
Estas, e outras práticas como a do homem poder tudo e a mulher ter que ficar em casa cuidando da prole, estavam/estão “escondidas” e admitidas na família dita tradicional, que de conservadora não tem nada, mas tem de hipocrisia e reacionarismo.
Vamos focar em Votuporanga e no Projeto de Lei nº 133/2024, que dispõe sobre a proibição de participação de crianças e adolescentes na parada do Orgulho LGBTQIA+ e prevê multa de R$ 4.742,20 (quatro mil setecentos e quarenta e dois reais e vinte centavos) por hora de exposição da criança ou do adolescente ao ambiente impróprio, com responsabilidade solidária entre os realizadores, os patrocinadores e os pais/responsáveis.
Nas justificativas do projeto de lei está a motivação e o erro clássico de equiparação entre a promiscuidade e a homossexualidade: “É inegável que, embora tradicional na cidade, a Parada do Orgulho LGBTQUIA+ se tornou local de prática de exposição do corpo, com constante imagem de nudez, simulação de atos sexuais e outras manifestações”!
Daí vem a questão: no Carnaval, que também é uma festa que ocorre abertamente no município, isso não acontece? Ou se faz vista grossa porque é uma festa tradicionalmente machista em que há muito mais risco de assédio às mulheres do que em uma parada da diversidade?
Como experiência particular, eu e minha esposa participamos da parada de 2023 de Votuporanga e inclusive patrocinamos o evento. Estava tudo muito seguro e respeitoso. Por ser uma estrutura pública, nem venda de bebidas havia e as pessoas levaram suas próprias bebidas, como se fosse em um “junta panelas” em casa que, pelo que se lê no projeto de lei, uma criança ou um adolescente nunca presenciaria tal excesso em suas casas: “Há, outrossim, presença exagerada do consumo de bebidas alcoólicas”.
Para encerrar as justificativas: “[…] o ambiente dos desfiles é completamente insalubre às crianças e aos adolescentes, que se encontram em relevante processo de lapidação moral” e segue, “A exposição da criança ao evento supracitado é indesejável interferência em sua formação moral, podendo causar profundas lacerações e cicatrizes em sua futura personalidade”.
Volto a repisar se alguma criança é proibida de entrar em algum carnaval ou outros festejos em que tais abusos hetero são possíveis e se isso igualmente, seguindo esta lógica, não feriria sua formação moral. Falta coerência e sobra politicagem.
Não creio ser possível, no mundo digital e globalizado, impedir o contato de qualquer pessoa com algum fato da vida e certo é que, ainda que fosse possível a criação de tal redoma, o que se conseguiria é apenas a geração de preconceitos e desrespeitos.
Saber que existem outras formas de vida diferentes da “tradicional” e aprender a respeitá-las é uma formação moral mais valorosa do que tampar o sol com a peneira e gerar preconceitos violentos.
Hoje é dia internacional do orgulho LBGT e quando do dia de combate à LGBTfobia – 17 de maio – gravei um vídeo defendendo que de todos os aspectos que uma personalidade tem, por que é que hoje apenas a sexualidade alheia importa? Já dizia Freud que se preocupar muito com a sexualidade do outro, possivelmente se tem problemas com a sua própria. Em países desenvolvidos isso não é uma questão a ser levantada em todos os momentos da vida social e política como no Brasil.
Sou um defensor da liberdade de existir, com respeito, neste mundo e para encerrar culturalmente, já dizia o grande escritor espanhol Miguel de Unamuno: “o fascismo se cura lendo e o racismo (equiparado à homofobia) se cura viajando”.
Bruno Arena: Mestre em Direito Penal e Humanos pela Universidade de Salamanca (Espanha). Presidente do Rotary Club Votuporanga 2022/23. Vice-Presidente da ACILBRAS. Proprietário do Cine Votuporanga. Autor e tradutor de livros. Advogado. Político. Instagram @adv.brunoarena.